Após retrocessos na versão final do relatório da Comissão de IA do Senado, o PL 3.328/23 está previso para votação final do colegiado nesta terça. Movimentos sociais mobilizam sociedade civil para tentar reverter os pontos negativos do texto
O PL 2.338/23 será votado pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) do Senado Federal nesta terça-feira (3/12). Essa é a última etapa da tramitação do texto antes de ir ao plenário da casa. A proposta vinha sendo considerada razoavelmente eficiente pelos movimentos sociais organizados em torno do tema até a semana passada, quando o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentou novo relatório com inúmeros retrocessos. A situação gerou a reação das entidades organizadas na Coalizão Direitos na Rede (CDR), que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) integra.
A CDR lançou carta aberta manifestando apoio ao avanço da matéria no Legislativo e pontuando melhorias em sete pontos específicos listados a seguir. O documento já tem a adesão de 63 organizações da sociedade civil.
- Alteração do artigo 13, I, para excluir a expressão “com o propósito de” para os usos proibidos, para abranger todas as tecnologias prejudiciais e seus efeitos, independentemente da verificação da intenção dos agentes de IA em serem propositalmente prejudiciais ou não;
- Alteração do Artigo 13, I (a) e (b) para excluir o nexo causal de “de maneira que cause danos à saúde, segurança ou outros direitos fundamentais próprios ou de terceiros” para as proibições de uso de técnicas que induzam comportamentos e de exploração de vulnerabilidades;
- Alteração do Artigo 13, VII para excluir as exceções ao uso de dados biométricos de identificação por sistemas remotamente, em tempo real e em espaços acessíveis ao público, portanto proibindo o uso destes sistemas para a segurança pública e a persecução penal. Ou, no mínimo, pedimos um moratória que autorize usos nas exceções listadas somente após aprovação de lei federal que especifique as finalidades de uso e garanta o cumprimento de medidas de salvaguarda suficientes (pelo menos aquelas garantidas para sistemas de IA de alto risco);
- Retorno do pontuação de crédito ou outros sistemas de IA destinados a serem usados para avaliar a qualidade de crédito de pessoas físicas para o alto risco listada no artigo 14.º, com a possibilidade de criar uma exceção para sistemas de IA utilizados para detectar fraudes financeiras;
- A mudança de classificações dos sistemas mencionados no Artigo 14, IX, X e XI para a categoria de riscos inaceitáveis;
- Garantir a participação da sociedade civil no Sistema Nacional de Governança e Regulação de Inteligência Artificial (SIA), por meio da composição do Conselho de Cooperação Regulatória de Inteligência Artificial (CRIA), é eficaz e significativo;
- A volta dos artigos 6º, 8º e 17 da versão do projeto de lei publicada no dia 18 de junho de 2024.
Influência das big techs
O texto é considerado o marco zero da inteligência artificial no Brasil e tem o objetivo de definir limites e permissões para o uso dessa tecnologia. Como resume o coordenador-geral do FNDC, Admirson Ferro Jr. (Greg), não se trata de parar ou desestimular as tecnologias que usam IA, mas definir os parâmetros mínimos legais para sua aplicação. Ele reconhece que os desafios são muitos e diversos, mas que é fundamental garantir que o Brasil também invista em pesquisa e desenvolvimento de IA própria. “Em resumo, não se trata de ser contra o uso da IA, mas de assegurar seu uso para atender ao interesse público nacional. E essa é a nossa disputa em torno do relatório da CTIA, que inclui fazer o enfrentamento às poderosas big techs norte-americanas, que não medem esforços para influenciar o parlamento e a sociedade”.
Greg afirma que a carta da Coalização Direitos na Rede expressa sua defesa crítica do PL 2.338/23, que vinha sendo razoavelmente coerente com a necessidade regulatória do Brasil, “mas que, no último minuto antes de sua votação decisiva na CTIA, perde substância e retrocede em questões importantíssimas como a retirada da classificação de “alto risco” dos sistemas de IA que fundamentam o modelo de negócio das big techs.”
Atuando (quase sempre) discretamente, as big techs ainda podem influenciar ainda mais a proposta, como admitiu o presidente da CTIA, senador Carlos Viana (Podemos-MG) em entrevista à Agência Pública na última sexta-feira (29/12). Greg lembra que a disputa em torno da regulação não se encerra com a votação final na CTIA e que ainda há espaço para a pressão da sociedade civil enquanto houver discussão no Congresso Nacional, mas que o enfrentamento à influência das big techs precisa ser cada vez mais contundente.
Tema tem mobilizado o FNDC
Na semana passada, o FNDC discutiu os usos, impactos e necessidade de regulação da IA no seu programa semanal Vozes pela Democracia e na live “Qual regulação de IA queremos?”, transmitida na terça (26/11). Ambos estão disponíveis no Canal do FNDC no YouTube e abaixo. O tema do Vozes pela Democracia foi o racismo algorítmico, amplamente denunciado e debatido pela sociedade civil, principalmente nas questões de segurança pública com o reconhecimento facial.
Além do racismo, outros grupos também têm debatido e se apropriado do tema para alertar sobre os riscos potenciais a outros grupos sociais, como mulheres, população LGBTQUIAP+ e indígenas, por exemplo. Outro ponto urgente nesse debate é a transição das atuais para as novas tecnologias e seus impactos para a classe trabalhadora. No setor da comunicação, está a preocupação em garantir a liberdade de expressão preservando a integridade da informação. O meio ambiente também é outro setor impactado pelo uso da IA.
Adesões à carta
O texto da carta pode ser acessado e assinado neste link.