Home Notícias Cessão da Rádio Nacional do Alto Solimões a governo do AM enfraquece...

Cessão da Rádio Nacional do Alto Solimões a governo do AM enfraquece sistema público de comunicação

Davi Kopenawa, Xamã do povo Yanomami, em entrevista á Rádio Nacional do Alto Solimões em novembro. Foto: Kátia Lins/EBC

Protocolo anunciado no início do mês pela EBC vem sofrendo duras críticas por parte de entidades de jornalistas e outras que compõem a luta em defesa da comunicação pública

O protocolo de intenções firmado entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Fundação Encontro das Águas para gestão da Rádio Nacional do Alto Solimões tem gerado reações negativas da sociedade civil. A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação pública, que tem entre suas organizações integrantes o FNDC, frisa que a cessão é uma grande perda para o sistema público, previsto no Artigo 223 da Constituição Federal, e uma contradição, considerando o projeto de expansão da Rede Nacional de Comunicação Pública, da EBC.

Para as entidades que defendem a comunicação pública, o momento é de fortalecer a Rádio Nacional do Alto Solimões e as parcerias com a sociedade civil, sobretudo pensando em envolver a população da Amazônia que terá os olhos do mundo sobre si nos debates da COP-30, em 2025.

Outra crítica feita pela entidade é a de que a iniciativa fortalecerá ainda mais o poder do governo do Amazonas, incentivador do garimpo e do agronegócio na região. Além disso, a Fundação Encontro das Águas não tem participação social, que é um requisito da comunicação pública, conforme a Constituição Federal.

Emissora alcança 60 milhões de pessoas

Localizada no município de Tabatinga, na Tríplice Fronteira, a Rádio Nacional do Alto Solimões foi criada em 2006, a partir da mobilização da população. A emissora integra nove municípios e atinge cerca de 60 milhões de pessoas entre Brasil, Peru e Colômbia, segundo o site da EBC. A jornalista Akemi Nitahara, membro da Frente em Defesa da EBC, considera “lamentável que a direção da EBC prefira entregar a gestão e o conteúdo da rádio a resolver os problemas”.

Akemi afirma que a emissora e seus funcionários, que são comissionados, enfrentam grandes dificuldades, como salários congelados e ausência de contratos básicos como limpeza do prédio, compra de insumos como papel higiênico e café e manutenção do ar-condicionado, mas que isso não justifica a forma como o acordo foi anunciado.

Segundo Akemi, a EBC alega que não conseguiu interessadas nas licitações abertas, então pediu à rede Encontro das Águas para assumir a gestão, no mesmo modelo da expansão da Rede Nacional de Comunicação Pública. Para ela, a situação demonstra que “a direção prefere se livrar do problema a enfrentar a situação, abrindo mão de uma emissora criada com uma função estratégica de ocupar o espectro eletromagnético em uma região de tríplice fronteira, que sofre com problemas como o garimpo ilegal”.

A jornalista também chama a atenção para o fato de que a EBC “sequer ofereceu para a sociedade civil a oportunidade de ocupar esse espaço, que foi criado justamente como uma solicitação das comunidades locais.”

EBC tem permitido o desmonte de sua própria rede

O jornalista Pedro Rafael Vilela, diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), outra entidade membro da Frente, afirma que a direção da EBC tem permitido o desmonte da sua própria rede de emissoras. Para ele, o caso da Rádio Nacional do Alto Solimões é emblemático porque envolve uma questão estratégica de política pública na Amazônia e até mesmo de segurança nacional, no qual a empresa “praticamente lava as mãos”. Mas, segundo ele, a situação é igualmente dramática no Maranhão, onde a empresa jamais deveria ter fechado a sede, a única no Nordeste.

Pedro lembra, também, que a praça de São Paulo, a maior cidade do país, sofre com ociosidade e falta de estrutura. “O cenário geral deixa claro que não há projeto de desenvolvimento da comunicação pública na atual gestão”.

Gestão da EBC desconsidera seu papel estratégico 

Em artigo publicado no site Le Monde Diplomatique Brasil, a Frente reforça as críticas feitas ao governo de Jair Bolsonaro, que aparelhou a EBC e a utilizou para defender teses estapafúrdias, como a fraude nas urnas eletrônicas e negar a gravidade da Covid-19, inclusive, sobre a população indígena, conforme denunciado em dossiês sobre censura elaborados pelos jornalistas da EBC e seus sindicatos. “Porém, os militares, cientes do papel estratégico da emissora, fortaleceram a estação. E jamais a doariam de mão beijada para um governo de oposição, como faz o PT e o preposto do ministro Paulo Pimenta, Jeansley Lima, presidente da EBC”.

Os integrantes da Frente em Defesa da EBC ressaltam que a região da Tríplice Fronteira tem pouca cobertura de veículos de comunicação brasileira e serviço precário de internet. Por isso, a emissora é fundamental para a promoção do direito humano à comunicação e informação e no combate à desinformação.