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Jornalistas e comunicadoras contra a violência de gênero

Ataques sexistas, racistas e assédio sexual formam o cotidiano das jornalistas e comunicadoras. O assunto foi tema da live “Violência de gênero na comunicação”, realizada pelo FNDC

Elizângela Araújo
FNDC

A face mais visível da violência de gênero contra mulheres jornalistas são os ataques nas redes sociais. Esses ataques, geralmente, partem de homens e mulheres adeptos de uma visão de mundo autoritária, às vezes fascista, muito estimulada durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Mas se constitui também de outros elementos: ataques à aparência, comentários racistas sobre o cabelo das jornalistas negras e, quando ocupam cargos de chefia, o descrédito de parte dos subordinados e até dos chefes homens.

O assunto foi tema da live “Violência de gênero e comunicação”, realizada pelo FNDC no último dia 30 de novembro. O bate-papo foi uma contribuição do Fórum à campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que se encerra neste domingo (10/12). Com mediação da jornalista Rita Casaro, secretária de Comunicação da entidade, a live reuniu Dhayane dos Santos (Brasil 247), Emily Marques (CFESS), Helena Saria (Fenaj) e Helen Perrela (CNDH) para debater o assunto.

Números da violência

A jornalista e cientista política Helena Saria ilustrou o assunto com números do último relatório sobre violência contra jornalistas elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Segundo os dados, o auge da violência contra jornalistas e comunicadoras foi o ano de 2022 e as agressões partiram basicamente de seguidores e apoiadoras de Jair Bolsonaro. “Os ataques do então presidente foram reduzidos, mas dos seus apoiadores aumentaram 300% em relação a 2021. Isso mostra como o discurso dele é inflamatório. Foram 80 atos de violência desses apoiadores contra jornalistas em 2022. Em 2021 foram 20 episódios”.

Embora os jornalistas homens ainda sejam maioria entre os agredidos (70%), há uma diferença marcante no teor das ofensas: as mulheres são atacadas em razão de serem mulheres. São ofensas morais, que buscam desqualificar a pessoa em razão do seu gênero. Isso também aparece na qualificação das ameaças, que também sempre são de cunho misógino, como ameaças de estupro, por exemplo.

Helena chamou a atenção das jornalistas e comunicadoras para a necessidade de se unirem, formarem grupos em seus territórios e buscarem seus sindicatos para denunciar. “Essas soluções não virão sem que as jornalistas procurem seus sindicatos para fazer pressão. Vimos jornalistas sendo agredidos nas portas dos quartéis e os veículos muitas vezes não dão nem uma assistência jurídica nem psicológica.”

Assédio sexual e racismo

A jornalista Dhayane dos Santos, coordenadora da TV 247, falou sobre sua experiência profissional e sobre como, desde cedo, ainda na faculdade, enfrenta violência cotidianamente. “Ter que alisar o cabelo para aparecer no vídeo, ter que estar sempre bem maquiada, usar os acessórios ‘certos’. Observam até minhas olheiras para comentar se dormi bem ou não. Isso não é cobrado dos meus colegas homens”. Dhayne afirma que é assustador que isso aconteça ainda hoje, quando temos um debate tão amplo sobre machismo, racismo, misoginia.

Ela usou o termo “esquerdomacho” para lembrar que além do público de direita, também é alvo da audiência típica do veículo em que trabalha, que a assedia sexualmente. “Tive que fechar minhas redes sociais por causa disso”. Ela observa que a violência do público bolsonarista é numericamente superior, mas que é preciso falar sobre a violência de gênero também dentro da esquerda, inclusive no setor profissional. “Assumi recentemente a direção da TV 247 e é problemático que, às vezes, eu tenho que repetir uma decisão três ou quatro vezes porque os subordinados não atendem de primeira. Isso gera tensionamentos.”

Jornalistas são alvo fácil

A assistente social Emilly Marques, coordenadora da Comissão de Comunicação do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), observou que as desigualdades de gênero, assim como a racial e de classe, não são naturais, mas um projeto de sociedade. Ele lembrou que, à mulher, sempre foi relegado o espaço doméstico, do silenciamento. Então, até hoje, é muito difícil para certos grupos aceitarem que as mulheres se manifestem politicamente nos espaços públicos, e uma mulher jornalista, que fala para o mundo, é um alvo permanente.

Emilly lembrou o caso da jornalista Schirlei Alves, do The Intercept Brasil, condenada a duas penas de seis meses de detenção e a duas multas de R$ 200 mil por publicar matéria denunciando a conduta do juiz e do promotor do caso Mari Ferrer. “Esse caso é prova disso. Quantas mulheres não passaram por situação parecida? E a jornalista que simplesmente fez o trabalho dela está sendo atacada, como as jornalistas e as médicas que trabalharam no caso da menina vítima de estupro que buscou o serviço público de saúde, em Porto Alegre, para realizar o aborto previsto em lei.”

Mobilização e enfrentamento

Helen Perrela, membro do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), afirma que além de se solidarizarem com o caso da jornalista Schirlei Alves, é necessário “que todas nós, mulheres, pressionemos o judiciário para que essa decisão seja revertida nas próximas instências do judiciário”. Segundo Helena, o CNDH tem feito um debate sobre violência contra jornalistas e comunicadores, especialmente contra mulheres, e que o órgão está trabalhando numa resolução sobre o caso Schirlei Alves.

A conselheira do CNDH colocou o órgão à disposição da sociedade e finalizou sua participação reforçando a necessidade de mobilização das mulheres para combaterem as violências cotidianas. “Muitas vezes, quando falamos em violência contra a mulher, o que nos vem a mente primeiro é a violência doméstica, mas é preciso lembrar que o machismo, a misoginia, o racismo e demais violências que nos atingem se dão em todos os campos da nossa vida, inclusive no espaço do trabalho. Não mudaremos isso sem organização”, concluiu.

A live está disponível, na íntegra, no YouTube, no Canal do FNDC. Clique aqui para assistir.